Juventude: anos 80, anos 2000 (Selvino Heck)
Vai levar tempo o que tempo levou para ser construído ou
desconstruído. Falo da juventude de ontem e de hoje. Acaba de ser lançado um
filme-documentário - PRO DIA NASCER FELIZ - que, a partir da escola, ouve a voz
dos jovens 2000, situando-os em suas realidades, Pernambuco e São Paulo, classe
pobre, classe média, classe alta, com escolas semelhantes ao nível social da
população. Todos se perguntam sobre o que está acontecendo com a nossa
juventude. Por que é assim, violência muitas vezes à flor da pele, pouca
capacidade de pensar, poucas mostras de criatividade, um sem sentido na vida,
uma desesperança? Que será destes jovens amanhã, depois de amanhã, qual seu
futuro?
Se voltarmos pra trás, final dos anos 70 e anos 80, as coisas eram
ou pareciam diferentes: jovens com engajamento político, presentes nos grupos
de jovens, participantes dos movimentos sociais, cheios de vida e esperança.
Eram os jovens gerados pela ditadura. Tinham pouca liberdade, a democracia
andava esmagada, o ar para respirar era pouco. Por isso, era preciso lutar, se
organizar. Fazia sentido ‘militar’, ser militante, palavras fortes da época. O
militante esquecia família, objetivos pessoais, questões menores do dia a dia.
Era construtor do novo e do futuro.
Os jovens foram ativos nas Diretas-Já, foram protagonistas no
impeachment de Collor. Não tinham medo de estar na rua, de estar do lado da
dignidade e da transformação econômico-social. E se faziam presentes nas
pastorais sociais, nos movimentos sociais então incipientes, nas oposições sindicais,
nos movimentos de bairros, nas lutas populares. Era tempo de construção. As
Universidades fervilhavam, como as Comunidades Eclesiais de Base e os
movimentos de luta pela terra que se constituíam. Tinha sentido lutar, tinha
sentido doar-se. Anunciava-se algo novo, as possibilidades eram muitas, valia a
pena doar parte do tempo, do cotidiano, havia sonhos e utopias.
Os jovens dos anos 2000 são gerados no ventre do capitalismo
neoliberal, a partir do início dos anos 90, são as crianças de ontem que viam e
viviam a luta dos pais pela sobrevivência. São marcados pela ausência, pela
falta de. Primeiro, o desemprego em massa que atingiu todos, pobres, classe
média. Depois, o esvaziamento de valores humanos, substituídos pelo
individualismo exacerbado, pelo consumismo. "Quem pode mais chora
menos".
O pensamento neoliberal não estimula a solidariedade. Ao
contrário, provoca e estimula a competição, afinal o mercado é dos mais fortes,
permanece no mercado quem tem competência. O vale-tudo impera. Não há mais
sentido em lutar pelo outro ou junto com os outros. Para que se doar, para que
participar de associações solidárias? Quando muito, rezo para meu deus resolver
os meus problemas imediatos. Cuido das minhas coisas e os outros que se danem.
O negócio é ganhar dinheiro e sobreviver, o resto não importa. Daí à violência,
porque o desemprego impera, e à droga, porque o sem sentido venceu, é um passo.
Os jovens de hoje são frutos destes 15, 20 anos onde a humanidade
e o Brasil entraram numa rota de vazio individualista, marcado pela guerra,
pela violência e pela criminalidade. Vai levar tempo para recuperar este tempo.
As crianças de hoje, adolescentes e jovens daqui a uma ou duas décadas,
têm chance de crescer sob novos valores, de construir/reconstruir sonhos, de
ver que a vida não é só mercado, que é inaceitável o aquecimento global e a
destruição da natureza, frutos dos desatinos de uma época sem ética, que só
busca o acúmulo e o lucro, despreocupada com o amanhã. Formação de base,
(re)educação nas escolas, construção de outros valores na sociedade,
compromisso com governos que apontem perspectivas fazem parte de uma jornada
que, seguramente, demandará muito trabalho, para a qual nós, um pouco mais
velhos e tornados sonhadores quando jovens, não nos furtaremos a dar parte do
nosso tempo, da nossa energia. Afinal, há que acreditar no homem e mulher novos
e na possibilidade de um mundo e uma sociedade justos e igualitários. A
situação como está é que não pode continuar por muito mais tempo.
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